terça-feira, outubro 17, 2006

CARENTES E NARCISISTAS

Muito tempo já se passou entre o lago onde Narciso admirava a própria imagem, aqui retratado pelo pintor inglês neoclássico John William Waterhouse. E os "lagos" onde os Narcisos contemporanêos se miram atualmente, como o site de relacionamentos criado por Orkut Buyukkokten, um analista de sistemas turco.



O atual narcisista está muito distante do seu clássico ancestral mito grego. Já não se contenta em fitar e admirar sua própria imagem em um lago... Estamos em um novo tempo e os lagos onde nos espelhamos são outros.
Dispomos hoje de toda tecnologia para nos refletimos em sites, blogs, álbuns virtuais de fotos, videoblogs...
Meios onde não só a própria imagem, mas vidas inteiras são rapidamente distribuídas e disponibilizadas não só para o deleite pessoal do narcisista, mas também para a “apreciação” de milhares de pessoas: o verdadeiro “sonho” de narciso...
Bastava ao primitivo narciso sua própria admiração. Cabe ao atual narciso o desejo de buscar a admiração de muitos.
Na contramão dos narcisos existem os carentes. Tão distantes da própria imagem que preferem e precisam adular e reverenciar a do outro.

Ele (Ela) é narcisista demais. Não dá para se relacionar com alguém assim... Essa justificativa todo mundo já ouviu. Afinal os narcisistas não se relacionam a não ser com eles mesmos. Mas e os carentes? Aqueles que vivem repetindo que o eu mais gostariam era “ter alguém para...”.
Será que carentes e narcisistas não teriam nada em comum?
O narcisista pensamos não tem nada para dar.
E o carente tem?
Sabe-se que só podemos dar aquilo que temos, e o carente não tem, ou melhor, não percebe que tem, por isso busca desesperadamente o do outro.

O carente quer, quer, quer...
Ambos têm algo em comum, são duas veias que alimentam o mesmo “tumor” afetivo: a cegueira do outro. O narcisista só consegue enxergar a si mesmo, por isso narciso se apaixonou pela própria imagem. E os carentes querem tanto enxergar alguém que qualquer um que receba a atenção e o olhar dos outros, é visto como maravilhoso.
Com isso ele não distingue quem é quem. Assim como o narcisista ele não vê o outro. Ambos permanecem cegos para a afetividade.
O carente sofre de uma espécie de cegueira seletiva, porque consegue ver no outro justamente aquilo que não é capaz de enxergar em si mesmo.

Quem manda em quem? Quem aprisiona quem?
O narcisista, objeto de desejo do carente, ou o carente, dono dos aplausos do narcisista?
Mas não será o carente uma espécie de narcisista?
Oscar Wild pode responder quando escreve:
“Quando Narciso morreu, o lago do seu prazer transformou-se, de um lago de águas doces para um cântaro de lágrimas salgadas. Vieram então as Oréiades, Deusas do bosque, chorando por entre as plantas até que pudessem cantar para o lago e dar-lhe conforto. Elas falaram ao lago: “Nós não nos espantamos que esteja de luto dessa maneira por Narciso”. Tão bonito era ele!". "Mas era Narciso Bonito?" disse o lago. "Quem melhor que você saberia disso?" responderam. "Ele nos ignorava, mas você ele procurava, deitava-se nas suas margens olhando para ti, e no espelho das suas águas admirava sua própria beleza". E o lago respondeu: "Mas eu amava Narciso, pois, quando ele deitava a minha margem e olhava para mim, no espelho de seus olhos eu sempre via a minha própria beleza refletida.”.
Tão cegos os carente que necessitam dos olhos do outro para poderem enxergar a si mesmos...
Tão carentes os narcisistas contemporâneos que precisam se espelhar no olhar do outro para poderem admirar a si mesmos...
Texto: Valéria Lemos Palazzo